segunda-feira, abril 09, 2007

300- Uma ópera de sangue e heroísmo







300 – Uma ópera de sangue e heroísmo
Rober Machado

Numa entrevista, Neil Gaiman disse que Frank Miller havia mentido quando falou que Sin City era o primeiro filme que havia dirigido, que ele esquecera de mencionar todas aquelas histórias que havia desenhado. A arte de Frank Miller é altamente cinematográfica, tanto que Sin City foi adaptada fielmente, transpondo os enquadramentos do papel para a tela, e resultou num grande filme. As obras de Miller podem ser adaptadas para filmes facilmente porque são “cinema” em sua essência.
Esse é o caso de 300, publicada originalmente em 1998, é a última grande obra original criada por Miller. Depois disso, há só mais uma boa história de Sin City e desastres como Cavaleiro das Trevas 2. Miller foi influenciado por um filme que assistira quando criança, Os 300 de Esparta, que narra a Batalha de Termópilas, ocorrida em 480 a.C., quando o rei Leônidas e sua guarda real de 300 homens enfrentou o exército persa, em número muito superior, para impedir a invasão da Grécia. Foram totalmente massacrados, mas a história deles sobreviveu como um exemplo de bravura, heroísmo e determinação.
Para produzir os quadrinhos, Miller visitou o local da batalha e consultou várias fontes históricas, a principal foi Heródoto. Acontece que o historiador grego mistura fatos históricos com lendas e mitos, além de exagerar certas passagens, talvez por isso Miller tenha tomado várias liberdades com os fatos, sem se preocupar em ser fiel ao que aconteceu. Isso fica bem claro na história, pois mostra um soldado espartano contando os acontecimentos para seus companheiros antes de uma batalha. Numa situação dessas, é lógico que certos feitos vão ser engrandecidos, a importância do inimigo vai ser relativizada, os valores de heroísmo vão ser enaltecidos. Para uma batalha, os soldados precisam ser motivados. Quem reclama da falta de precisão histórica do enredo é porque não entendeu sua premissa básica.
Frank Miller não trabalha com personagens próximos a seres humanos reais e nem se preocupa em oferecer uma “aula de história”. O objetivo é dar vida a conceitos como honra, bravura, lealdade, glória, dever. É exatamente o oposto que fez Clint Eastwood em seus dois recentes filmes, A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima, que desconstrói esses temas e humaniza os soldados.
O filme dirigido por Zack Snyder segue fielmente os quadrinhos de Miller, reproduzindo enquadramentos e diálogos. Também reproduz o belo trabalho de colorização feito Lynn Varley, esposa de Miller (uma pena que depois ela descobriu o Photoshop e não tenha alcançado a mesma qualidade de seus trabalhos feitos à mão). Há poucas mudanças em relação aos quadrinhos, a principal foi a inclusão de cenas que não existiam no original, como a trama da esposa de Leônidas em Esparta, que é desnecessária no final das contas.
A produção ainda reforça o tom operístico da história. Numa ópera, principalmente as alemãs, fala-se de grandes temas, com alta dramaticidade, com grandiloqüência, de paixões humanas e figuras fantásticas. O filme é uma ópera sem que ninguém cante. Se no teatro ninguém reclama da falta de realismo de uma obra, por que isso é cobrado com tanta intensidade no cinema? 300 não é um filme realista, nem ao menos um filme histórico.
Muito tem se falado do aspecto político do filme, alguns traçando paralelos entre Xerxes e George Bush, o governo iraniano irritado com a caracterização de seus ancestrais e que o filme seria mais uma arma da dominação americana. Há até quem identifique Leônidas como Bush. Ora, se é uma obra que trata de mitos, é normal que existam várias leituras diferentes relacionando-as com fatos contemporâneos. Entretanto, o filme deixa de fora justamente uma frase essencial para colocar mais lenha nessa discussão política. Quando a batalha final se aproxima, os aliados dos espartanos fogem e Leônidas diz a seus soldados que, pela lei espartana, eles irão lutar até a morte. Um dos soldados que diz eles estarão com seu rei até o fim. Leônidas responde que não pediu isso e diz: “deixe a democracia para os atenienses”.
A participação de Rodrigo Santoro tem dividido as opiniões dos brasileiros. Alguns dizem que ele está irreconhecível, mas não está, é fácil reconhecer o rosto dele apesar de todo o visual do personagem. Sua atuação, apesar de elogiada por alguns, é um tanto estranha e afetada. Sua voz foi alterada digitalmente, até porque não fazia muito sentido a voz verdadeira de Santoro naquele personagem.
Fora isso, o filme é uma obra para ser apreciada no cinema, numa boa sala, pois faz uso de todos os recursos tecnológicos disponíveis e cria um visual impressionante para uma tela grande. Nas boas seqüências de batalha, o sangue espalha-se de uma forma bastante original, talvez essa técnica vem a ser conhecida futuramente como o “sangue de 300”.

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