Luz e trevas
Rober Machado
Exatamente trinta anos separam os dois melhores filmes de super-heróis já feitos: Superman e Batman – O Cavaleiro das Trevas. Mesmo os personagens sendo da mesma editora e atuarem juntos em várias histórias, esses filmes representam conceitos totalmente opostos, além de épocas diferentes. Apontar qual é o melhor não é possível, mas pode-se traçar paralelos entre os dois, assim como luz e trevas, otimismo e pessimismo, infância e vida adulta.
Super-Homem é o herói que inspira o que há de melhor nas pessoas, está muito claro que lado atua, que possui um senso justiça e que procura fazer o bem para todos. Sempre aparece em público com um sorriso no rosto. É o garoto que foi criado numa fazenda por pais perfeitos. Um verdadeiro escoteiro.
Batman é o herói que se veste de morcego para provocar o medo nos bandidos. Muitas pessoas acham que não passa de um fora-da-lei. Prefere agir durante a noite, escondendo-se de todos. Bruce Wayne foi um garoto que teve sua infância brutalmente interrompida ao ver seus pais serem assassinados na sua frente. A partir daquele momento ele soube que o mundo não era um bom lugar para se viver.
Os dois filmes mostram esses aspectos dos personagens. Superman tem a maioria de suas cenas ocorrendo
durante o dia enquanto em Batman a maior parte da ação ocorre à noite, o próprio herói não aparece em outro horário. O público torce para o Homem de Aço, mesmo já sabendo que irá vencer no final, sabe que ele irá levar os bandidos para a cadeia. Mesmo possuindo uma força descomunal, ele não irá machucar nenhum de seus inimigos, essa não é a sua índole, é um ser quase divino. Já com o Cavaleiro das Trevas não há essa mesma empatia. Sabe-se que irá vencer no final, mas pode ser que tenha que pagar um preço alto por isso. O herói é humano e está muito mais sujeito a emoções mundanas, pode ter acessos quase incontroláveis de raiva. Quando interroga seu inimigo mostra que pode ser tão violento quanto ele.
Mas essa diferença não é algo que sempre existiu nos quadrinhos, as histórias do Batman já foram diferentes do que são hoje. Durante a década de 50 surgiu o famigerado Código de Ética dos Quadrinhos que limitou em muito os temas abordados e a violência dos quadrinhos. Nessa época, que foi chamada de “Era de Prata” dos quadrinhos, o público-alvo eram as crianças e as histórias eram bem ingênuas, com vilões nem tão maléficos e seus planos mirabolantes. Na década de 70 isso começou a mudar um pouco, Batman passou a ter histórias mais sérias e com temas detetivescos. Mas a ruptura mesmo aconteceu em 1986 quando Frank Miller publicou The Dark Knight Returns, que foi publicado aqui como O Cavaleiro das Trevas. Mesmo sem ter relação direta com filme, nessa história é delineada a personalidade do Batman como conhecemos hoje e os temas abordados são bem mais sérios. A partir dali, os quadrinhos de super-heróis entraram definitivamente no mundo adulto.
O filme do Super-Homem é anterior a isso e reflete um pouco dessa Era de Prata dos quadrinhos. A produção foi levada a sério e criou uma história consistente do herói, mesmo que o vilão tenha um plano mirabolante, só que não é para dominar o mundo ou destruir seu inimigo e sim para ganhar muito dinheiro. Lex Luthor não parece ser um louco, nem capaz de causar mal a muitas pessoas. Possui um ajudante atrapalhado, o que traz um pouco mais de humor e leveza para lado maligno do filme. Humor também existe na figura de Clark Kent e na relação com a sua amada. Fica bem claro quem é o bem e quem é o mal, o único momento de rebeldia do herói é ao contrariar a ordem do pai em não interferir na história do planeta, mas faz isso em nome do amor. Em suma, pode ser visto tanto por crianças quanto por adultos, sem que seja filme infantil.
Já o filme do Batman traz muito da visão de Frank Miller, mesmo sem se basear na sua obra. O Coringa é extremamente violento, sádico e muito assustador. Seu humor é insano, prova disso está na cena que faz desaparecer um lápis. O filme é sério e denso, tem humor somente em algumas tiradas irônicas de Alfred e Lucius Fox. Aborda diversos temas, como corrupção policial, política e violência. Aprofunda o perfil psicológico dos personagens, mostra algumas de suas ambigüidades, além de mostrar que não existem fronteiras rígidas entre o bem e o mal. Pela primeira vez tem-se um filme de Batman inadequado para crianças.
Um ponto em comum dos dois filmes está na excelência de seu elenco. A aposta num desconhecido para viver o Super-Homem foi um tiro certeiro. Christopher Reeve encarnou o personagem de forma perfeita. Até hoje não surgiu outro ator capaz de superá-lo. Também contou com dois grandes atores, Marlon Brando e Gene Hackman, que deram consistência para seus personagens. Talvez na mão outro ator, Lex Luthor ficaria ridículo.
O elenco de Batman é invejável, poucos filmes podem contar com tantos atores tão bem conceituados e ainda se dar ao luxo de colocar Morgan Freeman e Michael Caine como meros coadjuvantes. Se fosse somente centrado na história de Harvey Dent, já seria um ótimo filme, mas existe o Coringa, que se sobressai dentre todos os personagens. Impossível não repetir o que já foi dito: Heath Ledger foi brilhante na composição do personagem, criando uma atuação hipnótica. Coringa é o elemento imprevisível da trama, que subverte a ordem das coisas. Como o próprio se define: um agente do caos.
Superman trata seu personagem principal de forma mítica, como um ser que serve de inspiração para a humanidade, alguém idealizado e proveniente da pura fantasia. Com sua índole perfeita e sem falhas de caráter, é um ser próximo de um deus, mas um deus sujeito a emoções humanas, como amor, dor de perda, frustração e até um pouco de raiva. Ou seja, um deus grego.
Já os personagens de O Cavaleiro das Trevas, principalmente Batman e Harvey Dent, são derivados da tragédia grega. São pessoas que sofrem grandes provações do destino, que podem sucumbir às suas emoções e capazes atos extremos. O diretor Christopher Nolan aproximou bastante o filme da nossa realidade, retratando a paranóia por segurança e como isso é frágil diante de alguém intencionado a instaurar o terror nas pessoas. Isso só um dos pontos abordados. O filme pode ser visto várias vezes que diversas leituras surgirão.
Por serem tão diferentes não se pode dizer qual seria o melhor, mas sim que representam o melhor de cada personagem e de cada abordagem proposta. De um lado um filme divertido e esperançoso e de outro lado um filme sério e realista. Nesse último é inevitável perguntar: “Por que tão sério?”
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