sexta-feira, novembro 24, 2006

SEXO,ORÉGANO E ROCK´N ROLL


Angeli – criador e criatura(s)

por Rober Machado

Será que é possível envelhecer e ainda manter um espírito rebelde, contestador e crítico? Com o passar dos anos não é mais fácil se acomodar no sofá e deixar as coisas como estão? Afinal, já estava assim antes de você de nascer e deve continuar do mesmo jeito por um bom tempo, então por que se esforçar para mudar algo? Se você fizer essa pergunta para o cinquentão Arnaldo Angeli Filho, talvez ele faça alguma piada a respeito ou até responda seriamente que é necessário manter esse espírito. Pelo menos é o que ele tem feito durante toda a sua carreira, iniciada aos 14 anos na revista Senhor.

Angeli pode ter se acomodado um pouco, mas nunca deixou de ter um agudo espírito crítico, como provam as charges que publica na Folha de São Paulo, onde começou a trabalhar aos 17 anos e nunca saiu.

O sucesso e a fama (mas não acompanhadas de dinheiro) chegaram para o desenhista na década de 80, quando editou a revista Chiclete com Banana. Lançada em 1983 com uma tiragem inicial de 20.000 exemplares, que atingiu no seu auge 110.000, números impensáveis no atual mercado de quadrinhos. Na revista, vários colaboradores estiveram presentes, como Luiz Gê, Glauco Mattoso, Roberto Paiva, além de Angeli e seus fiéis escudeiros, Laerte e Glauco. Foi nas páginas de Chiclete de Banana que surgiram as histórias de Los 3 Amigos, Piratas do Tietê e toda a galeria de “tipinhos inúteis” criados por Angeli, como Rê Borbosa, Bob Cuspe, Skrotinhos, Wood & Stock, Bibelô, Walter Ego, Mara Tara, Osgarmo, Nanico e Meiaoito, Rampal, Rhalah Rikota. A revista é considerada uma das mais importantes já editadas no Brasil.

Também publicou tiras em outros países, mas não obteve o mesmo sucesso, exceto Portugal, onde ganhou um merecido destaque. Mesmo no Brasil não é mais publicado regularmente, somente são editadas coletâneas de suas tiras ou reedição de material antigo, tudo para lojas especializadas e livrarias, nada nas bancas. Entretanto, são boas edições e com bom acabamento, geralmente sobre um personagem, ideal para conhecer essas criaturas.

Dentre a sua extensa galeria de personagens, um que chama atenção é o que representa o próprio Angeli, um personagem que expõe diretamente as opiniões do seu criador. Surgido na época da Chiclete com Banana quando não tinha inspiração para criar alguma história, criou Angeli em Crise, que fala justamente sobre a falta de inspiração para criar. Essa série metalingüística ainda aparece regularmente nas tiras de jornais, sinal que Angeli continua tendo crises criativas, mas sabe revertê-las a seu favor, sem que pare de produzir. Também já imaginou como vai ser o seu futuro com outro personagem, o Velho Cartunista. Um outro desdobramento desse hábito de falar de si mesmo está nas tiras Duas coisas que odeio... e uma que adoro, onde comenta diretamente seus gostos pessoais. Claro que sempre é de uma maneira divertida, pois humor parece nunca faltar, nem que seja para satirizar a si próprio. Justamente dessa maneira autobiográfica é que Angeli apareceu novamente nas bancas, na segunda edição da revista piauí (novembro 2006), numa história que conta como Satisfaction, dos Rolling Stones, mudou a sua vida.

A publicação coincide com a chegada aos cinemas da animação Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock ‘n’ Roll, dirigida pelo veterano Otto Guerra, uma história sobre os dois velhos hippies que resolvem reviver a sua antiga banda para um concurso. Como o antigo vocalista morreu, no seu lugar é colocado um porco. Além dos bichos-grilo, vários outros velhos conhecidos dos leitores aparecem na telona, como a Rê Borbosa, Rhalah Rikota, Overall, Rampal, Lady Jane, Nanico e Meiaoito. A adaptação é bastante fiel às histórias publicadas, tanto na caracterização dos personagens quanto no traço característico de Angeli, disso não há como reclamar. O único problema está no ritmo do desenho, um pouco arrastado. Na verdade, é o ritmo dos seus personagens principais, onde a pressa não faz parte do seu cotidiano. Realmente é difícil adaptar tiras para o cinema, a forma de uma piada a cada 3 quadros não parece a melhor maneira para aparecer na tela, que pode prejudicar o desenvolvimento de uma história mais longa. Mesmo assim, o humor inteligente característico de Angeli está presente e vai agradar tanto quem não conhece suas obras quanto os fãs de carteirinha.


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