Invado este espaço para falar de duas obras que me surpreenderam muito. Mas, antes, quero contar uma história. Anos atrás, conheci a paciente de uma amiga. Minha amiga é psicóloga e trabalhou como voluntária num centro de apoio a mulheres vítimas de abuso. Todo tipo de abuso (e existem mesmo abusos de muitos tipos, não parece haver limites para violência). Estávamos fazendo umas entrevistas, trabalhando no caso dela. E essa experiência me fez pesquisar um pouco a respeito. No mesmo ano, decretaram a Lei n. 11.340, a Maria da Penha, cujo intuito foi “criar mecanismos para coibir e prevenir a violência familiar e doméstica”, entende-se, aquela que acontece em casa, sob os olhos de todo mundo, mas que nunca são sequer registradas pelas vítimas. Por amor.
Foi nessa época que caiu em minhas mãos a graphic novel autobiográfica de Rosalin B. Penfold, Mas ele diz que me ama (Ediouro, 2006). Ela exemplifica perfeitamente algumas coisas que aprendi com essa amiga. Principalmente o quanto uma relação amor-ódio é devastadora, o quanto a carência pode ser preenchida com qualquer sentimento e como isso se torna um “amor” doentio e violento, o quanto a insegurança e o remorso fazem parte da vida das pessoas envolvidas em relações desse tipo. Conhecer uma história como essa, autobiográfica e em primeira pessoa e, talvez o mais importante para apagar nossos preconceitos, de uma mulher nem tão longe assim do nosso mundinho possível, é uma ótima oportunidade de repensar as relações humanas.
Recentemente terminei a leitura de Loucas de amor, obra mista de Gilmar Rodrigues, com quadrinhos de Fido Nesti. Que me impressionou muito também. Essa obra é o resultado de uma grande pesquisa de Gilmar a respeito de mulheres que se envolvem romanticamente com assassinos seriais e criminosos sexuais. A curiosidade em saber o que passava pela cabeça daquelas mulheres que, de suas casas silenciosas durante a madrugada, talvez ouvindo o barulho do sono da família, escreviam cartas apaixonadas e sinceras para destinatários como Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi o que levou Gilmar a esse trabalho.
Mas que tipo de perversão seria essa? Quem gostaria de manter um relacionamento sério com um estuprador psicopata, com um mutilador? Não é possível julgar. Da mesma maneira que não é tão simples assim sair de casa depois de levar uma surra do marido e ir à delegacia prestar queixa. Ninguém gosta de apanhar, mas alguns sofrimentos parecem piores numa escala terrível de uma vida toda vazia.
Gilmar se deparou com todo tipo de caso. Desde o amor platônico, alimentado por algumas mulheres casadas, cuja vida tornara-se terrivelmente truncada, como daquelas partidas nulas de jogo da velha, até caso de esposas e amantes que se sentiam princesas nos dias de visita íntima. As celas onde faziam amor (e a expressão brega aqui faz todo o sentido) era um ponto de (sim, é verdade) suavidade entre duas realidades terríveis.
Em ambas as histórias chegamos pertinho da fronteira entre o amor e a morte. Sempre pensei nisso: uma carícia e um tapa, em princípio, é o mesmo ato.
Recomendo a leitura. Nos faz pensar um pouco sobre coisas grandes, como as relações humanas. Nossa fragilidade habitual, intensificada nesses tempos tão estranhos, não nos deixa tão longe assim desse tipo de angústias.
All we need is love, disseram por aí.